O caso de Julian Assange, fundador do Wikileaks, estourou novamente esta semana após o anúncio do governo equatoriano de que concederia asilo diplomático ao australiano (que andou por bandas suecas e inglesas nos últimos tempos). Tanto a grande imprensa quanto os veículos da mídia alternativa e a blogosfera tem repercutido amplamente a reação autoritária da Grã-Bretanha face à atitude – coerente, na opinião deste blog – do Equador.
O Reino Unido tem papel fundamental na caçada jurídico-burocrática ao mensageiro. Sua instransigência em relação à decisão equatoriana evidencia a trama, que também envolve a Suécia (que extraditaria o suposto estuprador) e os Estados Unidos da América (que o condenaria por vazar informações secretas americanas – o que pode levar à prisão perpétua ou à pena de morte). Tudo baseado em uma rocambolesca acusação de estupro – o suficiente para entregar à parte mais interessada o homem que divulgou uma avalanche de informações sensíveis à diplomacia internacional. O exemplo de Bradley Manning é simbólico para entendermos a animosidade estadunidense.
A decisão equatoriana é um sopro democrático no caso Assange. As práticas suscitadas por ele e pelo Wikileaks inauguram uma nova forma de fazer jornalismo, baseada no acesso à informação, que germina facilmente na era digital. Além disso, uma nova relação entre o poder público (e privado) e a sociedade é estabelecida, pois há uma vigilância intensa – baseada em princípios hacker – sobre as instituições, que já não têm mais o controle absoluto das informações.
Como disse Vladimir Safatle em artigo publicado no dia 18/8, na Carta Capital, Assange “apenas colocou em prática dois princípios que todo político liberal diz respeitar: transparência e honestidade. Mostrar tudo o que se faz”. Na visão de Safatle, o modus operandi da democracia liberal utiliza acusações que visam desqualificar moralmente o perseguido: “Assange não estaria sendo caçado por ter inaugurado um mundo onde nenhum segredo de Estado está seguramente distante da esfera da opinião pública. Um mundo de transparência radical, no qual os interesses inconfessáveis do poder são sistematicamente abertos. Ele estaria sendo caçado por ser um maníaco sexual. Seu problema não seria político, mas moral. Desde há muito é assim que a democracia liberal tenta esconder seu totalitarismo”.
Não me parece factível que um problema estritamente moral ocasione as ameaças obscuras feitas pela Grã-Bretanha ao Equador – os súditos da cadavérica e mumificada rainha urram, pela força policial e por documentos oficiais, que invadirão a embaixada latina na Inglaterra e começarão uma guerra com o país sulamericano. A resposta categórica do governo equatoriano – “Não somos uma colônia inglesa” – para manter sua decisão e rechaçar a deselegância real é um tapa na arrogância servil do antigo colonizador estadunidense, que agora age como meretriz dos interesses de sua cria.
Os britânicos afirmam que os termos de acordo internacional sobre asilo diplomático não se aplicam no Reino Unido e, especificamente, no caso de Assange. Para a Grã-Bretanha, é uma obrigação “cívica”, “moral” e “política” entregá-lo às autoridades suecas. Curiosamente, esta lógica não se aplicou no caso do ditador chileno Augusto Pinochet, que teve seu pedido de asilo aceito e foi recebido de braços abertos pelo Reino Unido em 2000. Conflitos diplomáticos à parte, a má notícia para a rainha, para republicanos e democratas e para engravatados do mundo inteiro, é que o processo iniciado pelo Wikileaks não tem volta. Para nós, cidadãos de seus países, esta é uma ótima novidade.
Por Felipe Bianchi