O Marco Civil da Internet, projeto de lei que constitui uma espécie de Constituição da Interne ao definir direitos e deveres de usuários, provedores e terceiros e, acima de tudo, garantir que a Internet brasileira continue neutra e democrática, passou por um intenso período de debate público. Desde outubro de 2oo9, foram quatro audiências públicas e dezenas de seminários contando com diversos convidados e representantes multissetoriais: acadêmicos, especialistas, civis e empresários.
Entretanto, o Governo Dilma e mais espeficicamente o Ministério das Comunicações, desastrosamente capitaneado por Paulo Bernardo, parecem não estar satisfeitos com as decisões democráticas do processo de construção da lei, que muitos especialistas classificam como a melhor e mais avançada legislação voltada para o campo da Internet no mundo.
Nem mesmo o apoio declarado dos gigantes Google, Facebook e MercadoLivre, nem as centenas de contribuições enviadas pelos cidadãos através do portal e-Democracia e até pelo Twitter, e tampouco a participação online nos seminários (com direito a chat e interação), em um episódio inédito que revela as possibilidades democratizantes que a Internet possibilita na construção de legislação e na participação política dos cidadãos, foram capazes de frear o entusiamo do governo em saciar a sede de poder das empresas de telecomunicações.
A votação vem sendo postergada e teve seu último capítulo nesta quarta-feira (19). A última chance de se aprovar o Marco Civil da Internet antes das eleições municipais, garantindo principalmente os direitos à privacidade e à liberdade de expressão na rede, foi desperdiçada devido ao lobby das teles e a aliança indestrutível destas com o sr. Paulo Bernardo. Este, que por sinal, parece fielmente comprometido com os grandes tubarões do setor: o monopólio dos grandes conglomerados de comunicação, de telefonia móvel e das telecomunicações parecem ter cadeiras cativas em seu gabinete.
O principal entrave para a aprovação do Marco Civil é bastante claro: a definição do conceito de neutralidade da rede, princípio que impede a discriminação dos pacotes que transitam na rede. Se regulamentado, as companhias telefônicas não poderão controlar a velocidade de conexão com base no perfil dos consumidores ou até mesmo segundo seus interesses próprios (serviços de voz sobre ip – VoIP são alvos comum de interferência, por exemplo). Em miúdos, garantir a neutralidade da rede é assegurar que não haja interferência, por parte dos proprietários da infraestrutura da Internet, nos pacotes de conteúdo que enviamos e recebemos.
Como afirma Mariana Mazza em artigo publicado nesta quarta-feira (19), as teles detestam a neutralidade, embora digam o contrário em eventos públicos e notas oficiais. ”O jogo das companhias telefônicas tem sido distorcer o conceito, alegando que é possível existir neutralidade dentro de determinados limites. Uma ‘meia neutralidade’, onde elas continuariam discriminando o tráfego na rede, mas ainda assim a gestão seria considerada neutra.”
Mazza ainda explica que a disputa se intensificou quando o relator do Marco Civil, deputado Alessandro Molon, decidiu incluir no texto que o Comitê Gestor da Internet deve ser ouvido no momento do estabelecimento das regras para o cumprimento do princípio da neutralidade. ”O CGI.br não teria o direito de impor nenhuma regra, mas apenas seria consultado na proposta de Molon. Este pequeno detalhe foi o suficiente para o governo começar uma campanha de difamação do Comitê e paralisar toda a votação do Marco Civil. E o quê o governo quer? Que a Anatel seja a única a ter poderes para decidir o que é e o que não é neutro na Internet”, afirma.
Mazza vai além e dispara contra a postura arrogante e servilista do ministro das Comunicações: “Nesta quarta-feira, Paulo Bernardo fez declarações fortíssimas para justificar o bloqueio da votação até que a ideia de o CGI.br opinar sobre a neutralidade seja retirada do texto. ’Como é que vai pôr a obrigação de ouvir o CGI? Por que o CGI e não a FGV, a Fiesp? Por que nós não vamos ouvir a Federação dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul? Qual é a lógica?’, disse o ministro, de acordo com o noticiário Teletime. Bernardo teria dito, inclusive, que o CGI.br não teria legitimidade para participar do debate por ser, basicamente, uma entidade civil”.
Ora, a criação do CGI.br teve o dedo do próprio MiniCom e, além disso, seu trunfo é justamente ser uma entidade que agrega e equilibra os interesses de toda a sociedade – obviamente, sob um alicerce democrático, que o setor empresarial monopolista parece querer demolir a todo custo. O problema, até o momento, é que enquanto o Governo Lula demonstrou vontade em consolidar a Internet como livre e democrática no país, o Governo Dilma e o MiniCom de Paulo Bernardo parecem determinados em servir as teles. Custe o que custar.
Por Felipe Bianchi